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Introdução
Após sete anos navegando pelas águas vastas e misteriosas do oceano, nossa família finalmente decidiu ancorar em terra firme e iniciar uma nova fase de nossas vidas na deslumbrante Barra de São Miguel, em Alagoas. Este marco representou o fim de uma jornada náutica extraordinária, mas também o início de uma nova etapa cheia de desafios e oportunidades. A tranquilidade das águas cristalinas da Barra nos ofereceu o abrigo que precisávamos, enquanto o céu e o mar se encontravam em perfeita harmonia. Nesse novo capítulo, minha família lançou as bases para um novo sonho: a construção de nosso próprio estaleiro, onde meu pai poderia transformar sua paixão pela construção naval em uma nova forma de vida.
Essa mudança trouxe mais do que uma simples transição de cenário. Trocamos as aventuras imprevisíveis do oceano pela vida em uma comunidade de pescadores, onde a simplicidade, a bondade e o humor dos nativos nos acolheram como se sempre tivéssemos pertencido àquele lugar. No entanto, a natureza e os valores que carregávamos da vida no mar continuaram a guiar nossa jornada. Neste post, compartilho como foi crescer em terra firme, o surgimento do nosso estaleiro, e como a conexão com a natureza e o oceano continuaram a moldar quem éramos, mesmo com os pés firmes na terra.
1. Primeiras Casas e a Chegada de Uriel
Depois de tantos anos navegando, nossa família enfrentou a transição para a vida em terra firme, um momento de grande adaptação. Nos primeiros quatro anos na Barra de São Miguel, moramos em três casas diferentes antes de nos estabelecermos definitivamente. Em 1994, minha mãe deu à luz meu irmão mais novo, Uriel, que hoje desempenha um papel essencial no Restaurante Serafim ao lado de Beda e minha mãe. Com sua chegada, nossa família estava completa, e essa fase representou uma adaptação ao novo estilo de vida em terra firme, onde, apesar de estarmos ancorados, o mar e seus ensinamentos continuavam a influenciar cada aspecto das nossas vidas.
A mudança para a Barra de São Miguel foi uma transição significativa, não apenas física, mas também emocional. Depois de anos no mar, onde nossa rotina era ditada pelas marés e pelo nascer do sol, tivemos que nos ajustar a novas rotinas em terra. Meus pais, porém, encontraram uma nova maneira de aplicar os valores que adquiriram no mar: focaram no crescimento do estaleiro, enquanto nós, crianças, começávamos a frequentar a escola. Ainda assim, nossa vida continuava conectada ao mar, seja nos projetos de construção naval do estaleiro ou nas histórias que compartilhávamos sobre os anos de navegação.
2. O Estaleiro, a Casa Inspirada na Natureza e a Conexão Espiritual
Em 1998, com o estaleiro e nossa casa em construção, nos mudamos para uma casa alugada a apenas 100 metros de distância, do condomínio Núcleo Princesa Mariana, da União do Vegetal (UDV), uma comunidade espiritualista, onde estavamos construindo nossa fortaleza. A casa e o estaleiro continuavam crescendo, alimentado pela experiência que meu pai acumulou durante os anos no mar e pelos recursos provenientes dos passeios turísticos que meus pais organizavam. Enquanto o estaleiro se expandia, nossa nova casa também ganhava forma, e esse lar representava muito mais do que um espaço físico: ele refletia os valores que meus pais traziam desde a vida no mar.
Nossa casa era totalmente inspirada na natureza, com parte da estrutura de madeira e um telhado coberto por sapê. Era ampla e rodeada por uma exuberante vegetação, uma extensão do amor e respeito que meus pais sempre tiveram pela simplicidade e pela harmonia com o ambiente ao redor. Assim como no mar, onde cada decisão era feita em respeito ao poder da natureza, nossa casa e o estaleiro foram projetados para serem sustentáveis, em sintonia com o que estava ao redor.
Enquanto o estaleiro crescia, nossa casa se tornava um ponto de equilíbrio para a família. Lá, a espiritualidade também desempenhava um papel fundamental. A comunidade da UDV, com suas cerimônias de chá ayahuasca, fornecia uma conexão profunda com o espírito, uma experiência espiritual transformadora que moldou nossa visão de mundo. Assim como o mar, que nos ensinava lições sobre a imensidão da vida e o poder de adaptação, os cultos espirituais reforçavam a importância de uma vida de simplicidade, propósito e respeito por tudo que nos cercava.
3. O Condomínio e a Vida em Comunidade
Viver no Núcleo Princesa Mariana foi uma experiência única para nós, especialmente por proporcionar uma forte sensação de segurança e comunidade. Era um lugar onde as crianças podiam brincar livremente, criar seus próprios espaços de diversão, como campos de futebol e vôlei, e onde as atividades espirituais e sociais reforçavam nossos laços.
Esse ambiente de comunidade nos ofereceu uma infância rica em experiências, onde, além dos cultos espirituais, passávamos nossos dias jogando esportes, explorando o condomínio e interagindo com outras crianças. Cada dia era uma nova aventura, seja brincando ao ar livre ou inventando competições criativas. Esse contato constante com a natureza e a simplicidade da vida, sem muitas das distrações do mundo moderno, como computadores e videogames (que começavam a fazer parte das nossas vidas), nos permitiu viver intensamente cada momento da infância.
As noites eram sempre animadas, com reuniões de amigos, jogos de tabuleiro, RPG´S e longas conversas sob as estrelas. Para nós, esses momentos reforçaram a importância de viver de forma presente e conectada, uma lição que aprendemos desde os dias no mar, quando a proximidade entre nós e a natureza era tudo o que importava.
4. O Crescimento da Família e Laços na Praia do Francês
Embora nossa família não fosse numerosa no Brasil, o vínculo com meu tio Horácio, irmão de minha mãe, foi essencial para fortalecer nossa conexão em terra firme. Em 1996, Horácio decidiu empreender na Praia do Francês, um lugar encantador e abençoado pela natureza, onde fundou uma pousada que rapidamente se tornou um ponto de encontro familiar e um refúgio de serenidade. Esse local, com seu mar cristalino e areia branca, se transformou em um palco para muitas das nossas memórias mais especiais.
As férias na Praia do Francês sempre foram inesquecíveis. Francisco, meu primo, e eu acordávamos com o sol, movidos pela ansiedade de aproveitar o terral – a brisa perfeita que sopra da terra para o mar nas primeiras horas do dia, criando ondas ideais para o surfe. Esse momento matutino, em que o sol nascia e o mar se abre para nós, reforçava nosso vínculo com o oceano e nos aproximava ainda mais das lições que o mar havia nos ensinado durante a vida no Samadhi.
Além dos momentos de lazer e aprendizado, nossos passeios náuticos iam muito além do simples prazer de velejar. Cada jornada era uma oportunidade para explorar o litoral alagoano com as embarcações que construímos no estaleiro, exibindo não apenas a nossa paixão pelo mar, mas também as criações da nossa família. Fizemos filmagens, tiramos fotos, e criamos conteúdo digital para divulgar nossos barcos em sites e outros canais de venda. Essas jornadas se tornaram parte essencial da estratégia de negócios do estaleiro, permitindo que as embarcações que fabricávamos chegassem não apenas a compradores locais, mas também a mercados internacionais, como a Europa.
A especialização do estaleiro em catamarãs turísticos e de luxo, além de iates e outras embarcações de alta performance, foi resultado direto dessas experiências. Meu pai, sempre inovador e entusiasta das mais recentes tecnologias, via cada projeto como uma oportunidade de desafiar o que era possível na construção naval. Ele adorava descobrir novas tecnologias e experimentar designs ousados, como hovercrafts e embarcações de última geração. Essas inovações, somadas à sua fluência em inglês, espanhol e português, abriram portas para um mundo de oportunidades.
Mesmo depois de deixar a vida náutica, o mar continuava a moldar nossa identidade. Nossa casa e o estaleiro ficavam a poucos metros da Lagoa Manguaba, e meu pai nos ensinou a velejar desde pequenos. A conexão com o mar, o vento batendo nas velas e o silêncio do oceano, tudo isso fez parte do nosso ser, refletindo não só o legado de inovação, mas também o espírito de liberdade e aventura que sempre nos guiou.
5. As Experiências com Meus Padrinhos: Silvia Belton e Marco Antônio
Outra parte importante da minha infância foram as experiências que vivi com meus padrinhos, Silvia Belton e Marco Antônio, e seus filhos, Iara, Caio e Luca Belton. Meus pais cultivaram essa amizade desde os tempos da Argentina, e essa conexão se manteve viva ao longo dos anos. Viajei para São Paulo em três ocasiões – 1998, 2005 e 2014 – para passar férias com eles, e cada uma dessas visitas me proporcionou momentos inesquecíveis.
Trabalhar no Restaurante Serafim e na pizzaria do meu padrinho Marco Antônio foi um aprendizado prático valioso, algo que levei comigo para a vida. Assim como no estaleiro, onde meu pai sempre destacava a importância do trabalho dedicado e da atenção aos detalhes, essas experiências me ensinaram a valorizar o esforço diário e o cuidado em cada ação.
Essas viagens também me proporcionaram vivências além do trabalho: assistir jogos no Morumbi, viajar pelo litoral paulista e conhecer as belas praias de Florianópolis. Cada um desses momentos me marcou profundamente e até hoje carrego essas lembranças com carinho, pois elas reforçaram a noção de que a família é construída tanto pelos laços de sangue quanto pelas experiências compartilhadas.
6. Escola e os Desafios do Crescimento
Apesar da vida simples que levávamos, meus pais sempre tiveram uma visão muito clara sobre a importância de uma educação formal de qualidade. Mesmo diante dos desafios financeiros e dos altos custos, eles nunca abriram mão de nos oferecer as melhores oportunidades possíveis, mesmo com as limitações do sistema educacional brasileiro. A dedicação deles em garantir nosso futuro refletia o mesmo comprometimento que aplicavam em todas as áreas da vida.
Frequentar escolas particulares, ainda mais em uma época de incertezas econômicas, foi um sacrifício que meus pais fizeram com muito esforço, acreditando que, assim como um barco é construído para enfrentar tempestades, nós precisávamos de uma base sólida de educação para navegar pela vida.
No entanto, a transição da vida no mar para as salas de aula não foi simples. Estávamos acostumados a aprender com a natureza, a tirar lições das marés e a resolver problemas práticos de forma criativa. A escola, com suas regras rígidas e aprendizado formal, exigiu de nós uma adaptação mental e emocional. Aprendíamos de uma maneira totalmente nova, longe das experiências diretas do oceano e das lições que ele nos ensinava.
Ao mesmo tempo, a escola nos oferecia algo que o mar não podia: a perspectiva externa e o contato com o conhecimento acadêmico tradicional. Para nós, essa nova forma de aprendizado se mesclava às lições que recebemos no oceano, criando um equilíbrio único entre teoria e prática, entre a formalidade da educação e a liberdade da vida em contato com a natureza. E, dessa forma, crescemos tanto em conhecimento quanto em resiliência, levando adiante os valores que nossos pais incutiram em cada passo de nossa jornada.
7. Fechamento da Empresa de Turismo e o Foco no Estaleiro
Em 1999, uma mudança crucial marcou o destino de nossa família. Após anos de sucesso com os passeios turísticos, meus pais tomaram a difícil decisão de encerrar a empresa de turismo náutico, focando totalmente no crescimento do Estaleiro Multicascos. Essa transição, apesar de desafios, foi uma escolha natural e estratégica, pois o estaleiro já estava ganhando reconhecimento pela excelência de seus projetos e pela qualidade de seus multicascos. Cada barco que meu pai projetou e construiu foi uma obra de arte, feita com a mesma dedicação e precisão com que vivíamos nossa vida no mar.
Os passeios náuticos, que antes faziam parte do nosso lazer, também serviram como uma vitrine natural para as embarcações que construímos. A cada nova saída, produzíamos vídeos e tiramos fotos que exibiam a beleza e a funcionalidade dos barcos, promovendo-os em canais de venda digitais e atraindo compradores de diversas partes do mundo. Essa estratégia nos permitiu vender embarcações de luxo e catamarãs não apenas no Brasil, mas também em outros países, e até mesmo na Europa, onde a qualidade de nossos projetos foi reconhecida.
Com o foco total no estaleiro, essa expertise cresceu ainda mais. Meu pai, um entusiasta por inovações tecnológicas, desafiava constantemente o status quo da construção naval. Ele não se contentava com o convencional e adorava explorar novos horizontes, como até mesmo o design de um hovercraft e diversas outras embarcações com tecnologias de ponta. Essa dedicação ao detalhe e à inovação fez com que o Estaleiro Multicascos se tornasse uma referência no mercado de embarcações de alta performance, como catamarãs turísticos e de luxo, além de iates e outras embarcações exclusivas de pequeno e médio porte.
A transição para focar exclusivamente no estaleiro foi uma decisão de compromisso e visão de longo prazo. Assim como o oceano exige respeito, paciência e precisão, a construção de barcos também segue esses princípios. O estaleiro não era apenas um empreendimento comercial – era uma extensão da filosofia de vida de nossa família, onde a busca pela excelência e pela inovação guiava cada decisão. Cada barco que saiu do estaleiro carregava em si não apenas a habilidade técnica do meu pai, mas também os valores de resiliência, criatividade e respeito pelo mar que moldaram nossa jornada.
Conclusão
Nossa infância em terra firme foi tão rica quanto os anos passados no mar. Vivemos em sintonia com a natureza, espiritualidade e o trabalho árduo, sempre guiados pelos valores que nossos pais nos transmitiram. O estaleiro, nossa casa e a comunidade em que crescemos foram mais do que cenários – foram a base para os desafios que moldaram nosso caráter e prepararam nossa jornada para a vida adulta. Esses anos de aprendizado e conexão nos transformaram nas pessoas dedicadas e resilientes que somos hoje, sempre em busca de uma vida alinhada com a natureza e com os princípios que nos foram ensinados.
No próximo post, vamos mergulhar em como esses valores se entrelaçaram com o nosso propósito e os primeiros passos na vida adulta. Exploraremos a trajetória de cada membro da família – os caminhos que levamos a construir nossa própria história, sempre baseada no legado de nossos pais. Conheça os desafios, as descobertas e as escolhas que moldaram o que somos hoje, com um olhar especial para como o propósito familiar e as raízes que influenciaram nossa transição para a vida adulta.
Gostaríamos de ouvir suas experiências e como os valores familiares influenciaram sua própria jornada. Deixe seu comentário e compartilhe um pouco da sua história! Vamos criar uma comunidade onde nossas memórias se cruzam e inspiram uns aos outros.